À medida que a inteligência artificial (IA) se entrelaça cada vez mais com o tecido das nossas vidas diárias e dos processos empresariais, surge uma questão importante e válida: estamos a progredir no campo da ética tecnológica à mesma velocidade que estamos a inovar?
Em diferentes ocasiões, vimos como o mercado angolano reage em sentido contrário às hipóteses académicas, avançadas como argumentos para justificar a tomada de certas medidas no âmbito da reestruturação da economia ou do agravamento da carga fiscal.
Passado pouco tempo, as pressões inflacionistas acabam por diluir o efeito pretendido. Como consequência, assistimos ao aumento progressivo dos preços, que é, de imediato, acompanhado pela desvalorização da moeda, como resultado da diminuição do seu poder de compra.
Aspecto importante a reter é que estas alterações tocam, fundamentalmente, um conjunto de produtos que constituem a chamada cesta básica, ou seja, estamos a falar de bens indispensáveis à sobrevivência humana e cujo escalar dos preços tem sido, nos últimos tempos, motivo de particular preocupação, pelos resultados que, a olho nu, vamos vendo em relação ao aumento do nível de pobreza, que em Luanda é uma triste realidade.
Colocada assim a questão, o leitor pode indagar-se se, afinal de contas, o Estado deve ou não aplicar impostos. A resposta é: claro que deve! Nenhum Estado vive sem cobrar impostos. Isso decorre da sua actividade financeira com vista à satisfação das necessidades colectivas. O imposto não é a única fonte de receitas do Estado, mas é a mais importante. À finalidade fiscal ou financeira que se atribui ao imposto, enquanto receita ou meio destinado a cobrir as necessidades do Estado e outras entidades públicas, junta-se as não menos importantes finalidades extra-fiscais, desdobradas em redistribuição da riqueza, estabilização macro-económica e influência na afectação de recursos (Impostos/Teoria Geral/3ª edição, actualizada/Américo Fernando Brás Carlos).
O imposto é, hoje em dia, uma ferramenta que exige extrema sensibilidade política no seu manuseio. Já no passado a sua importância foi sempre tida em conta. Todavia, com o evoluir dos tempos, a dimensão dessa importância cresceu muito, quer do ponto de vista da arrecadação, da sua gestão e destinação. Há uma série de variáveis, combinadas a medidas de política económica, que fizeram do imposto um recurso cuja finalidade vai para além do clássico entendimento de prestação exigida pelo Estado para cobertura de despesas públicas.
Como tudo na vida, cada realidade tem as suas próprias particularidades. A economia angolana tem características, portanto especificidades, que lhe conferem, em muitos casos, um perfil distinto para aplicação do que recomenda/explica a doutrina fiscal em certos aspectos.
Tomemos como exemplo a produção de arroz. Angola importa cerca de 650 mil toneladas por ano desse produto. A produção nacional de arroz está estimada entre 35 e 40 mil toneladas por ano, uma cifra considerada irrisória face à importação (vide pág. 11 da edição de 5 de Abril do Jornal de Angola). Essa produção nem sequer representa um quarto do que o país importa anualmente, que é de 162,5 mil toneladas.
E não será tão cedo que vamos ter auto-suficiência em produção de arroz, apesar dos esforços que estão a ser desenvolvidos. De acordo com as estimativas, só daqui a três anos estaremos em condições de poder falar em auto-suficiência.
Adoptar uma política de agravamento fiscal na importação de arroz para, alegadamente, proteger a produção nacional, que, como está visto, é manifestamente insuficiente para abastecer o mercado nacional, só vai conduzir ao aumento do preço do produto, na medida em que o importador vai repassar a carga fiscal para o consumidor.
A protecção da produção ou da indústria nacional por via da oneração fiscal de bens provenientes do estrangeiro só funciona quando realmente há capacidade interna para abastecer o mercado e quando os produtos provenientes do exterior se apresentam, em termos de preços, concorrenciais aos produzidos localmente. O agravamento fiscal visa, nesses casos, gerar o "efeito substituição”, de modo a, precisamente, tornar a indústria nacional mais forte e sustentável, garantir a manutenção dos empregos, assegurar a diversificação da economia, entre outros objectivos.
Estando, a produção de arroz, por enquanto, fora do quadro atrás referido, o que vai acontecer é que, em pouco mais de três meses, o saco de 25 quilos, cujo preço mais alto está, neste momento, entre 26.500 e 27 mil kwanzas, poderá passar dos 30 mil kwanzas. Este passo vai representar a continuação do agravamento do custo de vida, ao qual não é possível estar-se indiferente, tendo em conta que, mesmo sem uma estatística a espelhar o que se está a passar em termos de pobreza, os nossos olhos não mentem quando, pelas ruas da cidade, assistimos ao que se desenrola à volta dos contentores de lixo.
A economia, apesar de baseada em números, que tanto podem transmitir satisfação como tristeza, ou ainda um estado de moderação espiritual, é também uma ciência ética, no sentido de que ela visa, de igual modo, a paz social, que não é um fim perseguido em exclusivo pelo Direito. Em economia, quando se trata de introduzir mudanças profundas na sua estrutura, os exemplos vindos de cima são mobilizadores para induzir a transformação de mentalidades que se pretende alcançar.
*Jornalista
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